Quem leu a reportagem da 2164º edição da Revista Veja, em maio de 2010, intitulada “A Geração Tolerância” pode ter achado todos aqueles relatos de jovens homossexuais assumidos e bem resolvidos extremamente positivo. “Os adolescentes e jovens brasileiros começam a vencer o arraigado preconceito contra os homossexuais, e nunca foi tão natural ser diferente quanto agora. É uma conquista da juventude que deveria servir de lição para muitos adultos”, diz a frase em destaque abaixo do título da matéria.
Bonito, mas será que real? Será mesmo que tornou-se simples assumir-se assim? Segundo o Relatório Anual feito pelo Grupo Gay da Bahia (GGB), 198 homossexuais foram assassinados em 2009, nove a mais do que em 2008 e um aumento de 61% com relação a 2007. Não adianta pensarmos que a menor parcela desses assassinatos soma-se às lésbicas (4%), porque são pessoas que foram mortas única e exclusivamente por amarem alguém do mesmo sexo. Nove mulheres foram assassinadas em um mesmo ano por serem lésbicas em pleno século 21!
Segundo o GGB, apesar de alguns programas do governo a favor dos homossexuais, como o “Brasil sem Homofobia”, o país continua sendo o campeão mundial de homicídios contra LGBT. E tem mais: dos 20% de criminosos identificados, menos de 10% chegam a ser detidos e julgados e mesmo estes são beneficiados com penas leves ou absolvidos.
Recentemente, uma nova pesquisa intitulada “Homofobia na Comunidade Escolar”, feita pela pesquisadora chilena Margarita Díaz, presidente da organização Reprolatina, mostrou que as escolas brasileiras são ambientes que não apresentam a homossexualidade como algo normal e que seja bem vindo, além de não introduzirem a temática da sexualidade como deveria ser feito. A pesquisa ainda mostrou que a situação piora quando se trata de travestis e transexuais, já que as escolas pesquisadas não autorizam, por exemplo, a utilização do banheiro feminino.
"Eu nem consigo imaginar o que é ser importunado apenas por ser gay. Deve ser duro. Mas acredite, vai melhorar", disse o presidente dos EUA Barack Obama para a campanha “It Gets Better”.
Não precisaríamos de pesquisas para perceber o preconceito nas escolas ou em qualquer ambiente. Todos sabem que nas escolas os alunos homossexuais, tanto aqueles que se autodeclaram, quanto os que tentam esconder a escolha ou ainda nem se descobriram, sofrem com xingamentos e apelidos ou, no pior dos casos, a reclusão. A mídia, que deveria servir de apoio contra a homofobia, cria um estereótipo em programas humorísticos ou na teledramaturgia das novelas em que a maioria dos personagens gays age como personagens de circo, que estão ali só para fazer rir. As piadas de homossexuais também estão na boca de todos que, por maldade ou sem perceber, incitam a cada brincadeira mais preconceito.
Segundo a antropóloga Kênia Kemp, tanto os homossexuais como outros personagens estereotipados pela mídia têm uma relação muito conflituosa, pois ao mesmo tempo em que se sentem valorizados ao encontrarem a identidade deles na TV em evidência naquele momento, também percebem esses estereótipos.
Exatamente o que acontece com os pais que descobrem ter um filho homossexual. São raros os casos em que essa é uma notícia normal de ser dada em casa, algo bem aceito e fácil de conviver. Assumir-se homossexual ainda é um problema enorme em nosso país, independente de estar acontecendo com mais frequência ou não.
Uma das mães facilitadoras do Grupo de Pais de Homossexuais (GPH), Cristina de Sabata, 50, conseguiu, com a ajuda do grupo, aceitar a escolha de sua filha Flávia, 24. “Como a maioria das mães, jamais aventei a possibilidade de que minha filha fosse homossexual. Ela sempre teve comportamento exterior hétero, namorava rapazes e chegou a ficar noiva. Quando ela me revelou sua homossexualidade, senti primeiramente certa incredulidade, mas ante sua convicção, comecei a realmente ponderar que esta possibilidade poderia ser real”, conta.
Cristina relata que a princípio a abraçou, e disse a amar qualquer que fosse a sua escolha, porém quando se deu conta do que estava acontecendo, caiu em desespero e passou a chorar escondido. “Fechei-me em profundo silêncio, não conseguia conversar com ela sobre o assunto, por mais que ela o abordasse. Parecia que se eu não falasse sobre ‘aquilo’, não se tornaria realidade para mim, para a minha vida e para a vida dela”.
Através da ajuda do GPH e de Edith Modesto, presidente da ONG, Cristina foi aos poucos não só aceitando a orientação da filha, como também deixando para trás todo aquele preconceito que percebeu ter nos dias que se seguiram à revelação. “Creio hoje que nascemos cada qual com sua orientação sexual, que não existem culpados, que ninguém leva ninguém a se tornar homossexual, simplesmente nascemos héteros, homo ou bissexuais. Percebi que minha filha não havia perdido nenhuma de suas inúmeras qualidades e que também nenhum defeito lhe havia sido acrescido e aprendi com o tempo a me despedir da filha que eu imaginava ter e dar as boas vindas à filha que realmente tenho! E como valeu a pena!”, finaliza Cristina.
Esse sim é um dado interessante e animador: as pessoas que entendem a fundo a homossexualidade através de leituras fundamentadas, conversas com pessoas mais instruídas nesse assunto ou até mesmo através da convivência, perdem o preconceito e notam o quanto o assunto deveria ser natural. De acordo com pesquisas, ficou provado que sim, os homossexuais têm se assumido cada vez mais cedo às suas famílias e amigos, mas não é a mesma coisa do que se assumir para o mercado de trabalho, por exemplo. Afinal de contas, família e amigos, apesar de muitas vezes não aceitarem, com o tempo – às vezes muito longo -, e por amor entendem a condição do homossexual, mas aquelas pessoas que podem evitar tê-los por perto por pura ignorância e preconceito, continuam o fazendo, e talvez e infelizmente, igualmente cada vez com mais frequência.
Enfim, muitas coisas ainda precisam mudar.
Há 8 anos